Distribuição injusta da renda do streaming é a nota desafinada no crescimento do mercado fonográfico brasileiro

Fato apontado no relatório anual divulgado na segunda-feira, 22 de março, pela Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o crescimento do mercado de disco no Brasil em 2020 é motivo de comemoração.

Mas somente para quem comanda a máquina de edição e distribuição de músicas nas plataformas de streaming – operação que inclui tanto gravadoras multinacionais como selos indies.

O crescimento do mercado fonográfico brasileiro no ano passado foi de 24,5% em relação a 2019. Desde 1996, ano do apogeu da era do CD, a indústria nacional do disco não registrava expansão nessa proporção.

É fato que o isolamento social motivado pela pandemia deixou o público em casa e, sem shows para ver presencialmente, a saída foi ouvir mais música no celular ou no computador. A nota desafinada desse crescimento é a injusta distribuição da renda obtida com a reprodução de músicas nos players digitais.

Motor da criação musical, o artista fica com a menor parte. Uma parte ínfima. As plataformas de streaming nunca divulgam o que pagam aos artistas, mas sabe-se que são valores irrisórios. Dados extraoficiais apontam que, em 2019, o Spotify – a plataforma mais popular de streaming – teria pago 0,00348 dólar ao artista por cada reprodução.

Esse valor deve ser real ou, no mínimo, próximo da dura realidade. Tanto que, neste mês de março de 2021, vários artistas se engajaram em campanha para que sejam remunerados como um centavo de dólar por cada play dado numa plataforma de streaming.

A reivindicação é justa, sobretudo em momento em que, impedidos de fazer shows presenciais, os artistas dependem essencialmente da renda do streaming para sobreviver, até porque a onda de lives já se movimenta sem a força observada em 2020.

Historicamente, cantores, compositores e músicos nunca ganharam muito com discos. A maior parte dos lucros sempre ficou com as gravadoras. Na era do LP e do CD, um álbum gerava renda expressiva somente se batesse a marca do milhão de cópias vendidas. 

Ainda assim, mesmo injusta, a distribuição dos lucros nunca soou tão abusiva como na era do consumo digital de música.

É fato que o acesso ao mercado fonográfico foi democratizado. Milhares de artistas despejam singles, EPs e álbuns nas plataformas a cada semana sem depender do aval e da distribuição de grandes gravadoras, antigas donatárias desse mercado. Nem mesmo de pequenas gravadoras.

Só que tal fluxo de lançamentos jamais gera movimento igual de renda. E, se a equação já é injusta para os cantores e instrumentista solistas, o que dizer de compositores que cedem as músicas para os intérpretes por não exercerem o ofício do canto? 

Estes quase nunca veem a cor do dinheiro e, para piorar a situação, quase sempre têm os nomes omitidos nos créditos das gravações disponíveis nos players digitais.

Enfim, as gravadoras operam no azul já há alguns anos – a estabilidade do mercado já vinha sendo notada nos últimos anos – mas, para o artista, a luz vermelha permanece acesa com crescente intensidade e tensão. Passa da hora de melhorar essa distribuição de renda.

Dificilmente, ela será justa um dia porque as grandes empresas sempre hão de querer a maior parte do bolo. Desde que o samba é samba é assim. Mas a fatia oferecida ao artista tem que ser maior.

Cantores e compositores são os donos das músicas e/ou das vozes e, sem música e sem artistas para gravar essas músicas, não haveria mercado fonográfico simplesmente porque não existiria disco para ser escutado.

Por isso mesmo, é preciso alterar essa nota desafinada para que o crescimento do mercado fonográfico brasileiro possa, enfim, ser devidamente comemorado. Por ora, do ponto de vista do artista, nada há para ser festejado.

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